Melhor notícia do dia: acabam de ser DERRUBADAS as resoluções absurdas
do CREMERJ de proibir médicos de atenderem parto domiciliar no RJ e a
entrada de doulas e obstetrizes em partos hospitalares! UHUUULL!! Por
Erica de Paula
Segue na íntegra decisão proferida pelo MM. Juiz Federal GUSTAVO ARRUMA MACEDO:
Processo nº 0041307-42.2012.4.02.5101 (2012.51.01.041307-8)
02ª Vara Federal do Rio de Janeiro
DECISÃO
Trata-se de ação civil púbica proposta pelo Conselho Regional de
Enfermagem do Rio de Janeiro ¿ COREN/RJ em face do Conselho Regional de
Medicina do Rio de Janeiro ¿ CREMERJ pleiteando, em sede liminar, a
suspensão dos efeitos das Resoluções CREMERJ nº 265 e nº 266, de 2012,
que proibiram a participação de médicos nas chamadas ações domiciliares
relacionadas ao parto e assistência perinatal, em equipes de suporte e
sobreaviso, previamente acordadas, em partos domiciliares, assim como a
participação de pessoas não habilitadas e/ou profissões não reconhecidas
na área de saúde (entre elas, doulas, obstetrizes e parteiras) durante e
após a realização do parto, em ambiente hospitalar, ressalvados os
acompanhantes legais.
Sustenta como fundamento do pedido, em suma,
ofensa a diversos dispositivos constitucionais, legais e infralegais
arrolados no bojo da exordial, que garantem à mulher o direito ao parto
domiciliar, assim como ao acompanhamento, em ambiente hospitalar, de
pessoa de sua livre escolha.
Inicialmente, afigura-se incontestável a
legitimidade do Conselho Regional de Enfermagem na propositura da
presente ação civil pública, porquanto disciplinar e fiscalizar o
exercício profissional, bem como zelar pelo bom conceito da profissão e
dos que a exerçam, encontram-se entre suas atribuições legais (art. 15,
II e VIII, da Lei nº. 5.905/73), sendo certo que a harmônica interação
entre os profissionais envolvidos no trabalho de parto, seja domiciliar
ou em ambiente hospitalar, revela-se essencial para o efetivo e
satisfatório desempenho da profissão submetida à fiscalização da
autarquia. Em outras palavras, é inegável que as proibições emanadas do
diploma normativo ora guerreado trarão enormes repercussões ao cotidiano
exercício da profissão de enfermeira (Lei nº 7.496/86), cuja proteção
encontra-se entre as atribuições do COREN/RJ. Por outro lado, a Lei nº
7.347/85 expressamente atribui às autarquias a legitimidade para propor
ações civis públicas (art. 5º., IV).
Como notório, a decisão liminar
antecipatória dos efeitos da tutela se caracteriza pela
superficialidade da cognição exercida pelo magistrado, que se limita a
analisar a existência da verossimilhança das alegações e do perigo
inerente à espera pelo provimento judicial definitivo sobre a matéria em
debate.
No caso ora analisado, verifico presentes os requisitos autorizadores da medida, pelas razões que passo a expor:
Inicialmente, salta aos olhos a incompatibilidade entre as Resoluções
CREMERJ nº 265 e nº 266 e o tratamento dado à matéria pelos diplomas
normativos federais. Em termos práticos, as resoluções terminam por
dificultar, senão inviabilizar, o exercício da atividade de parteiras,
porquanto ao mesmo tempo em que proíbem a atuação de médicos em partos
domiciliares, com exceção das situações de emergência, também vedam a
participação das aludidas profissionais em partos hospitalares.
Entretanto, a Lei nº. 7.498/86 define que:
Art. 9º São Parteiras:
I - a titular do certificado previsto no art. 1º do Decreto-lei nº
8.778, de 22 de janeiro de 1946, observado o disposto na Lei nº 3.640,
de 10 de outubro de 1959;
II - a titular do diploma ou certificado
de Parteira, ou equivalente, conferido por escola ou curso estrangeiro,
segundo as leis do país, registrado em virtude de intercâmbio cultural
ou revalidado no Brasil, até 2 (dois) anos após a publicação desta lei,
como certificado de Parteira.
Nessa senda, aparentam conflitar com
diploma normativo hierarquicamente superior as resoluções da Autarquia
Estadual que praticamente inviabilizam o exercício de profissão
regulamentada por lei federal especial válida e vigente.
Destaque-se, ainda, que a proibição inserta no art. 1º, parágrafo único,
da Resolução CREMERJ nº 266/12 estende-se às obstetrizes, indo de
encontro ao previsto no Decreto Federal nº. 94.406/87, regulamento da
lei supra mencionada, que dispõe:
Art. 9º Às profissionais titulares
de diploma ou certificados de Obstetriz ou de Enfermeira Obstétrica,
além das atividades de que trata o artigo precedente, incumbe:
I - prestação de assistência à parturiente e ao parto normal;
II - identificação das distocias obstétricas e tomada de providência até a chegada do médico;
III - realização de episiotomia e episiorrafia, com aplicação de anestesia local, quando necessária.
Sob uma ótica constitucional, destarte, na qual se prestigia o livre
exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer, não cabe ao CREMERJ
impedir que as parteiras e obstetrizes exerçam seu mister que, além de
contar com muitos anos de existência, é regulamentado por lei e decreto
federais (art. 5º, XIII, da Carta Magna).
Obstar sua participação
nesse procedimento ainda conflita, na perspectiva da mulher em trabalho
de parto, com a mens legis subjacente à previsão contida no §1º, da Lei
nº 8.080/90:
Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de
Saúde - SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a
presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o
período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. (Incluído pela
Lei nº 11.108, de 2005)
§ 1o O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente. (Incluído pela Lei nº 11.108, de 2005)
Noutro giro, ainda naquela ótica, a República Federativa do Brasil se
fundamenta, entre outras axiomas, na dignidade da pessoa humana (art 1º,
III). Do ponto de vista da parturiente, as limitações impostas pelo
CREMERJ parecem ignorar ou, ao menos, desconsiderar o inegável suporte
emocional, psicológico e físico dado por parteiras, doulas, obstetrizes e
etc., no parto hospitalar ou domiciliar. Ressalte-se que, malgrado a
controvérsia atinente aos perigos inerentes ao parto domiciliar, matéria
a ser pormenorizadamente debatida por ocasião da prolação da sentença
de mérito, a escolha deve ser, em princípio, da mulher gestante. E as
resoluções do CREMERJ, ao vedarem a participação de médicos no parto
domicilar, acabam por impossibilitar essa escolha. Nesse diapasão, os
estudos anexados à prefacial atribuem densidade suficiente aos
argumentos do autor na defesa da segurança e benefícios do parto
domiciliar, aptos a consubstanciar o fumus boni iuris.
É de se
considerar, ainda, que a vedação à participação de médicos em partos
domiciliares, ao que tudo indica, trará consideráveis repercussões ao
direito fundamental à saúde, dever do Estado, porquanto a falta de
hospitais fora dos grandes centros urbanos é muitas vezes suprida por
procedimentos domicilares, nos quais é indispensável a possibilidade de
participação do profissional da Medicina, sem que sobre ele recaia a
pecha de infrator da ética médica.
O periculum in mora decorre das
graves conseqüências que as resoluções atacadas podem trazer ao,
destaque-se, antiquíssimo e tradicional exercício das profissões de
parteira, doulas, obstetrícias e etc., que restou sobremaneira tolhido
com a norma e, ainda, ao direito à saúde constitucionalmente assegurado.
Por todo o exposto, DEFIRO A LIMINAR para suspender os efeitos das
Resoluções CREMERJ nº 265 e nº 266, de 2012, até ulterior decisão deste
juízo ou até que o E. Tribunal Regional Federal da 2ª Região e
instâncias superiores se manifestem em sentido contrário.
Intime-se, com urgência.
Sem prejuízo, cite-se.
P.R.I.
(iyv)
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2012.
GUSTAVO ARRUDA MACEDO
Juiz Federal Substituto no Exercício da Titularidade
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